Ungulani Ba Ka Khossa, actual Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) mereceu, juntamente com Paulina Chiziane, uma distinção com a Ordem de Grande-Oficial do Infante D.Henrique, concedida pelo Estado português.
Por conta disso, domingo resolver ter “dois dedos” de conversa com essa figura sonante na literatura moçambicana, que publicou há meses a sua mais recente obra intitulada “Entre as Memórias Silenciadas”, cuja edição coincide igualmente com os vinte e cinco anos de sua estrada literária. – Ungulani, o que representa para si a distinção pelo Governo português com a Ordem de Grande-Oficial do Infante D.Henrique?
– É uma distinção como as outras. É daquelas distinções que a gente não faz nenhum requerimento para merecê-las. Elas surgem e, de certa forma, são resultado de um longo percurso.
Mas devo dizer que foi surpreendente para mim, assim repentinamente, merecer essa distinção que é a Ordem de Grande-Oficial do Infante D.Henrique. Fiquei muito satisfeito com o acontecimento porque não só me dignifica como escritor como também vai honrar a literatura moçambicana.
Por outro lado, tenho a dizer que esse ano correu a contento: primeiro porque celebro os meus vinte e cinco anos de estrada literária, esses que coincidiram com a publicação, há seis meses, do meu livro “Entre as Memórias Silenciadas”, uma obra de fundo, tecnicamente construída e a altura do tema. Isso deixou-me feliz. E por fim, ter essa grande surpresa da distinção que me foi concedida pelo Estado Português, na pessoa do seu mais alto magistrado, o Presidente Cavaco Silva, é mesmo caso para dizer que 2013 é e foi um ano memorável.
– Como avalia o estágio actual da literatura moçambicana?
– A literatura está num bom caminho na medida em que, estatisticamente, há maior edição de livros. Qualitativamente, pode se perguntar se os livros que estão sendo publicados estão ou não à altura dos leitores. E aí digo que a literatura não está num bom caminho. A aferição do que está sendo publicado cabe aos professores de literatura, aos críticos literários e essa massa crítica está ausente. Há muitos a escrever, mas há poucos a comentar.
Na verdade, pode-se dizer que há um défice de críticos de obras que estão a sair, o que é um certo anacronismo, porque por um lado há um número crescente de pessoas que são formadas em Literatura Moçambicana, Linguística, mas em contrapartida não se fazem presentes nas páginas dos jornais, em intervenções públicas, a comentar um livro. Quando deviam usar os instrumentos que obtiveram durante a sua formação, uma vez que sabem, melhor do que ninguém, pois têm toda uma pedagogia, como fazer uma boa leitura de obras.
Por vezes, alguns dizem que as páginas culturais nos jornais não dão espaço, mas eu penso que a pessoa deve ir atrás das coisas nem que seja primeiro através da carta de leitores.
– O que acha da literatura moçambicana?
– Sou da opinião de que a literatura deve ter um substrato, e o seu substrato é a circulação do livro. Actualmente já há consciência por parte da sociedade da importância do livro. Agora que estamos na quadra festiva, por exemplo, importa-se em dar livros como presente às crianças. Isso é um indicador fundamental para o crescimento de qualquer literatura.
É obvio que as pessoas se questionem agora a cerca do preço do livro, mas esse é sempre, em todo mundo, quase proibitivo. Porém em qualquer parte do mundo não é a livraria que faz o grande número de leitores, mas sim as bibliotecas. Por isso digo que é importante reconhecer que ao nível dos municípios já começa haver consciência de que o espaço de lazer e de cultura são fundamentais…
– Qual é a qualidade da escrita dos jovens que têm vindo a associação pedir patrocínio?
– Relativamente aos anos anteriores, agora as pessoas tendem mais, porque há grandes facilidades de publicação, a participar de concursos literários que são vários e que dão como prémio só a publicação do livro.
Tendem também a fazer todo um esforço para edição do autor. Assim sendo, o número de pessoas que se aproximam a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) é relativamente inferior ao que se assistia nos anos transactos, porque as editoras aumentaram no nosso país, isso é um ponto positivo, portanto não precisam tanto da AEMO como elemento de crescimento. Mas precisam da associação para se tornarem membros.
Por outro lado como o número de editoras está centrada na grande cidade, Maputo, a grande preocupação está naqueles que começam a escrever que são da zona Centro e Norte, isto é, eles é que procuram por nós como mecanismo de fazer chegar seus trabalhos para apreciação.
Olhando em termos de retrospectiva, temos recebido um número reduzido e dos que recebemos temos dado conselhos no sentido de melhorar alguns pontos negativos, de tal modo que acabamos tirando ou publicando os livros. Só para dar um panorama, nos últimos sete anos houve quase que 80 edições com a mão da AEMO.
GRANDE HOMENAGEM
À LUÍS BERNARDO HONWANA
– Actualmente, quais são os principais projectos da AEMO?
– Estou há sensivelmente seis meses no comando da associação, tempo que apenas permitiu-me ver as questões organizacionais da casa, definir, com a equipa de trabalho, os projectos para o ano que se avizinha.
O ano de 2014 centrar-se-á em dois acontecimentos fundamentais, nomeadamente, os cinquenta anos de edição de “Nós Matamos o Cão Tinhoso” (1964). A associação irá prestar o seu tributo a essa grande figura das letras moçambicanas, precursor da nossa modernidade, o espírito santo da santíssima trindade das letras e artes moçambicanas: o pai (José Craveirinha), o filho (Malangatana Ngwenha Valente) e o espírito santo (Luís Bernardo Honwana). Somos todos tributários dessa santíssima trindade. E homenagear esse grande vulto das letras moçambicanas, o escritor Luís Bernardo Honwana, é mais que um dever. É uma obrigação.
O outro acontecimento que vai marcar o plano de actividades da AEMO é a comemoração dos trinta anos da charrua. Quer se queira ou não, a Charrua marcou as letras nacionais pós-independência. E como associação é nosso dever pôr a estampa edições comemorativas desses grandes eventos.
Outro projecto que estamos igualmente a nos centrarmos, é o da abertura de espaços de debates, visto que gradualmente a AEMO tem se tornado numa casa que vai ajudando escritores de primeira viagem…
ESTOU ACIMA
DOS PARTIDOS POLÍTICOS
– Gosta de política, qual é seu partido político?
– A questão que me coloca é muito interessante. Acho que a política é semelhante há um jogo de xadrez, é imprevisível. Posso dizer que sempre gostei, mas apenas no sentido de falar dela, de tal modo que a considero um dos meus hobbies. Não gosto dela no sentido de ser militante, ser membro, no sentido de fazer carreira política, estar ali naquela disciplina partidária. Não é comigo.
Na minha actividade como escritor, direi que já estou acima dos partidos, porque a minha própria actividade literária me coloca acima da actividade militante de base. Agora, perguntar uma pessoa como eu, acima dos 50 anos de idade, qual é o seu partido político, é qualquer coisa, porque, por um lado, quando a independência chegou tinha 17 anos e sou de uma geração que viveu muito no partido único, sendo que neste não tínhamos cartões, pois cada um tinha sua tarefa. A minha tarefa naquela época era dar aulas. Os que foram escolhidos para serem políticos até foram ao estrangeiro estudar para o serem.
“ÍNDICE DE CIDANIA
ESTÁ A ELEVAR-SE”
– Como vê a politica moçambicana?
– Agora há uma maior consciência das pessoas sobre as suas responsabilidades sociais. O índice de cidadania está a elevar-se. A responsabilidade do cidadão é maior em relação aos seus direitos, ao seu olhar crítico e isso muita das vezes não tem a contrapartida dos próprios partidos. Qualquer partido tende a ser conservador, e as vezes é a própria sociedade que dá a dinâmica.
Actualmente está a assistir-se ao nível urbano mais ou menos uma maior consciência das pessoas sobre seus direitos como cidadãos, mas isso muita das vezes está ligado ao modelo económico que estamos a seguir, o modelo capitalista, que é muito de exclusão, de diferenciação social e este modelo de diferenciação social requer dos partidos uma maior distribuição, partilha dos bens públicos, uma vez que a própria estrutura, a própria máquina capitalista, é toda ela feita no sentido de excluir constantemente.
– Como vê o clima de tensão que decorre no centro do país?
– No que concerne aos conflitos que decorrem no centro do país, acho que ninguém pode ficar indiferente a isso. Todos pugnam para que o Governo e a oposição cheguem ao consenso. E isso não é uma questão que vem de agora. Mesmo durante os 16 anos de luta foi sempre a preocupação do cidadão comum que houvesse paz, que as partes beligerantes se encontrassem. Mas provavelmente naquela época não havia os mecanismos do cidadão comum se expressar para isso.
Não há sociedade nenhuma que fica indiferente perante uma situação de conflito armado. Ninguém quer a guerra…
– O que acha do debate envolta da sucessão do Presidente da República?
–A tentativa de alargar o debate da sucessão do Presidente extra-murro é aliciante, mas temos que reconhecer que um partido rege-se pelas suas normas. No actual modelo constitucional pede-se ao cidadão no intervalo de quatro a cinco anos o voto para um dos candidatos que se faz as campanhas. Nunca, mas nunca mesmo como cidadão me foi pedido que interferisse nos debates internos do partido, no caso concreto do partido Frelimo. Portanto do primeiro até ao décimo congresso esse movimento foi resolvendo seus problemas no quadro das estruturas eleitas e nesses congressos houve sempre vencedores e vencidos. Agora parece que muitos se sentem órfãos e querem a todo custo que a sociedade interfira nos destinos do partido, de modo que tenham algum lugar ao solo. Acho que cada partido tem o seu modelo, deve resolver os seus problemas e nós como cidadãos vamos interferir naquilo que a constituição nos pede na altura do voto.
Destaque
“O modelo capitalista, que é muito de exclusão, de diferenciação social e este modelo de diferenciação social requer dos partidos uma maior distribuição, partilha dos bens públicos, uma vez que a própria estrutura, a própria máquina capitalista, é toda ela feita no sentido de excluir constantemente”
Maria de Lurdes Cossa