“Mal du siècle” (mal do século) é expressão original do escritor, ensaísta francês Chateaubriand, enquadrado num contexto em que reinava uma relativa crise de crenças e valores, facto reflectido na temática literária do século XIX, especificamente no romantismo.
Em pleno século XXI, a expressão é tida, no âmbito da Saúde, para ilustrar a dimensão das mazelas da depressão, um transtorno mental que, de acordo com estimativas avançadas pela Organização Mundial da Saúde, afecta centenas de milhões de pessoas no mundo. Ambas as constatações reflectem uma realidade decorrente da forma como é gerida a mente humana. De qualquer modo, é retornando ao campo da criação artística que melhor encaixo o meu introito.
Uma das composições que me servem de gancho é “Rungula”, interpretada por Alberto Machavele, conceituado trovador moçambicano falecido na década de 1990. Nela encontramos um sujeito que o considero visionário por assumir – intencionalmente ou não – o papel de porta-voz da multidão, alertando-a para um comportamento grotesco que na realidade foi se enraizando nas relações humanas ao longo dos anos.
Ao avaliar esta canção arrisco-me a apontar a existência de um “enredo” montado pelo trovador, no qual personagens levam a vida longe dos seus familiares e, por tal, esmeram-se na busca de alternativas para não deixar que as relações esmoreçam. Perspicaz, Machavele coloca-se como um sujeito que se subordina às manobras do tempo, mas que busca alternativas para minimizar as suas falhas. Uma delas é a Rádio. Usa-a para colocar a voz e cantar: “nzi rhungula maxaka mangakule…” (envio cumprimentos à minha família que se encontra longe de mim). Desta maneira, aos olhos da sociedade assume o lugar de um homem exemplar, de princípios e razoabilidade, e trilha um caminho que o livra da “boca do povo”, quando se distancia das atitudes daqueles viajantes-trabalhadores que, em terras fartas, se “esquecem” da família movidos pelas coisas mais ilusórias da vida. Leia mais…