Vinte e sete anos depois da Tragédia de Mbuzini, os moçambicanos ainda aguardam conhecer as causas reais do acidente aéreo, que, a 19 de Outubro de 1986, vitimou o primeiro presidente de Moçambique independente, Samora Moisés Machel.
Para tal, anualmente deslocam-se à região de Mbuzini, na África do Sul, local onde despenhou o avião presidencial, esperançosos de ouvir novidades sobre os motivos que vitimaram o proclamador do Estado Moçambicano. Entretanto, ontem, a governadora da cidade de Maputo, Lucília Hama, acompanhada pela família Machel e outras personalidades, depôs uma coroa de flores na grande estátua de Samora, na Praça da Independência.
A região de Mbuzini fica na província de Mpumalanga a cerca de 100 quilómetros, através da entrada da fronteira de Ressano Garcia e a uns 50, a partir da vila fronteiriça da Namaacha.
Depois do acidente aéreo, a região passou a ser referência obrigatória para a região Austral de África, em particular, e para o mundo, em geral, de tal forma que sempre que chega o 19 de Outubro é visitado por pessoas de várias nacionalidades.
Em resultado disso, os governos sul-africano e moçambicano decidiram erguer em Mbuzini um monumento em homenagem às 34 pessoas que perderam a vida naquele trágico acidente aéreo. O mesmo foi inaugurado em 1998.
O memorial é constituído por trinta e quatro barras de ferro em memória da cada vítima, um recinto onde estão depositados os destroços do avião, com destaque para os motores, um museu, bancada e um alpendre para albergar as altas individualidades nos dias de cerimónia, para não falar de um espaço verde, onde podem ser vistos outros destroços da aeronave que transportava o estadista moçambicano e comitiva.
Porque era dia de recordação de um dos líderes mais destemidos da África e do mundo na década 80, as autoridades sul-africanas não se coibiram de abrir a fronteira da Namaacha para entrada livre, de modo a permitir o acesso ao local por parte dos moçambicanos. Aliás, este acesso era apenas para peões, enquanto as viaturas entravam pela via de Ressano-Garcia.
Foi assim que milhares de moçambicanos de diferentes faixas etárias, sobretudo, os que viveram a euforia da independência, escalaram Mbuzini para homenagear o seu proclamador e tentar ouvir uma resposta sobre as causas que provocaram o despenhamento da aeronave presidencial.
No mesmo diapasão, os governos sul-africanos e moçambicano, através das províncias de Mpumalanga e Limpopo e a de Maputo, respectivamente, organizaram uma excursão a partir da fronteira de Ressano-Garcia.
Samora Machel perdeu a vida, de regresso ao país de uma reunião internacional realizada em Mbala, Zâmbia, quando o avião em que viajava, neste caso, o Tupolev 134 de fabrico russo despenhou-se em Mbuzine provocando a morte a outras 33 pessoas que o acompanhavam.
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS MARCAM CELEBRAÇÕES
As cerimónias das celebrações do 27º aniversário do desaparecimento físico do Marchal Samora Moisés Machel, consistiram na deposição de coroas de flores junto aos trinta quatro pilares que representam os perecidos e realização de actos culturais, caracterizados por danças guerreiras, onde actuaram grupos sul-africanos e moçambicanos.
Para abrir estes momentos, coube a vez ao grupo de Xigubo de Matutuine, província de Maputo, que conquistou a plateia com uma exibição de alto nível. A euforia foi tal que em algum momento, as pessoas despiram os agasalhos e vibraram aos sons do xigubo, apesar do frio que se fazia sentir, até porque toda cerimónia decorreu debaixo de um forte nevoeiro.
Os frequentadores do local afirmaram que sempre que se assinala a data é normal haver neve acompanhada de chuvas fracas, o que significa que Samora Moisés Machel é um homem abençoado.
Depois do xigubo, seguiu-se a vez da makwaela do grupo cultural Associação Paz no Mundo do município da Matola, que passeou a sua classe ao dançar e entoar uma canção com mensagens evocativas a Samora
Em seguida coube a vez a um grupo sul-africano maioritariamente constituído por pessoas de terceira idade que deliciou os presentes com uma dança típica local. Um outro grupo de jovens deste país entrou em cena e a sua maneira dançou o xigubo.
TORNAR PÚBLICAS A
S CAUSAS DO ACIDENTE
A maioria das pessoas que escalaram Mbuzini tinham como principal objectivo render homenagem ao proclamador do estado moçambicano, assim como ouvir uma eventual novidade sobre as causas da sua morte.
Anabela Matsinhe, 50 anos de idade, vive no bairro Ndlavela, município da Matola. Diz que escalou aquele local para recordar os feitos de Samora Machel que a agradavam bastante, sobretudo, o facto de durante a sua governação, ela ter conseguido fazer o ensino primário.
Segundo afirmou, tomou conhecimento da morte do Presidente Machel no dia 20 no noticiário da Rádio Moçambique, tendo ficado muito triste. Agora exige o esclarecimento das causas que causaram o despenhamento do avião.
Sobre a sua governação diz guardar várias lições, entre elas, a necessidade de haver uma fiscalização às instituições públicas, como por exemplo, hospitais e escolas. “Para além de ser um homem que trouxe a independência, Machel era um homem de bem e que se preocupava com o seu povo, razão pela qual andava nas empresas para verificar os níveis de produção e o relacionamento entre os trabalhadores e o patronato”, disse Anabela Matsinhe.
Por seu turno, André Magaia, 70 anos de idade e residente na localidade de Mahelane, distrito de Namaacha referiu que a tragédia de 19 de Outubro deixou muitas mágoas para si, razão pela qual sempre que pode escala Mbuzini na expectativa de ouvir notícias sobre a morte de Machel.
“Este dia é importante na minha vida, porque recorda-me o grande homem que nos trouxe a independência depois de sofrimento que passamos com os colonialistas portugueses”,disse Magaia, sublinhado que das várias lições aprendidas, reteve aquela que Machel dizia “estudar para vencer a pobreza”.
Alberto José, 57 anos de idade e residente em Boane, afirmou que o 19 de Outubro traz-lhe à mente o homem que sempre se preocupou com o bem dos moçambicanos e não só.
Para Alberto José, a maneira como Machel abordava os problemas da região fez com que tivesse muitos inimigos, sobretudo os ligados ao então regime do Apartheid da África do Sul que encomendou a sua morte.
“Estou neste lugar para lembrar o grande líder que nos trouxe a dignidade e o poder de respondermos pelo nosso destino, daí que sempre que chega a data não perco por nada esta cerimónia, é como se fosse uma missa familiar”, disse Alberto José, que ouviu a notícia do trágico acidente através da voz de um comunicado lido por Marcelino dos Santos na Rádio Moçambique.
José Neves, 69 anos de idade, vive em Joanesburgo, na África do Sul, onde trabalha como alfaiate. Referiu que se deslocou a Mbuzini para recordar os feitos de Samora Machel que ultrapassaram em larga escala as suas expectativas.
“Mesmo que venham os próximos dirigentes, Samora foi carismático e recordo-me da forma como ele abordava os problemas das pessoas e não temia os seus homólogos, incluindo os líderes mundiais. Lembro-me quando visitou os Estados Unidos da América, falou abertamente com o então líder deste país, Ronald Reagan”,disse José Neves, sublinhando que Machel era um homem corajoso daí que tenha encontrado a morte muito cedo.