Praticantes de medicina tradicional passam a incorporar parte do seu trabalho no Sistema Nacional de Saúde, no quadro de uma parceria que está a ser monitorada pelo Instituto de Medicina Tradicional (IMT).
A parceria entre a medicina tradicional e a convencional resulta da necessidade de valorização da primeira, uma vez reconhecido o papel fundamental que desempenha particularmente no meio rural onde a cobertura da rede sanitária ainda se mostra deficiente.
Deste modo, o Ministério da Saúde, através do Instituto de Medicina Tradicional, viu a necessidade de dotar os praticantes de medicina tradicional de conhecimentos sobre cuidados de saúde, sobretudo no âmbito dos cuidados primários.
A iniciativa enquadra-se igualmente na recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) que desde 1978 advoga que nos países com problemas de desenvolvimento e cobertura sanitária, autoridades sanitárias deviam trabalhar em parceria com outros intervenientes ao nível da comunidade para melhoria da sua cobertura de cuidados de saúde primário.
Em Moçambique, o esboço da parceria entre “as duas medicinas” remonta 2011 quando o Instituto de Medicina Tradicional realizou a primeira pesquisa sobre o uso e conservação de plantas com potencial terapêutico.
A pesquisa abrangeu diferentes mercados da cidade e província de Maputo, nomeadamente o mercado do Xipamanine, T3, Compone, entre outros. Entretanto, de acordo com Felisbela Gaspar, directora do Instituto de Medicina Tradicional, os resultados então alcançados revelaram-se negativos.
“Das plantas medicinais recolhidas nos mercados e submetidas ao laboratório, apurou-se que a sua maioria se encontrava contaminada por coliformes fecais (fezes de animais), pois grande parte dos medicamentos eram armazenados em locais impróprios”, disse, tendo esclarecido que era comum encontrar os remédios no mesmo local onde armazenavam galinhas e cabritos.
A directora do Instituto de Medicina Tradicional salientou que outro aspecto preocupante foi “a falta de controlo do tempo de exposição dos produtos nas bancas. Os vendedores não possuíam nenhum controle de validade dos seus produtos e grande parte dos mesmos se encontrava meses afins expostos ao sol .”
Após a fase de avaliação do desempenho deste ramo, as autoridades sanitárias iniciaram campanhas destinadas à capacitação periódica referentes a cuidados na conservação e preservação de plantas.
Outro aspecto levado a debate nas formações de praticantes de medicina tradicional é a legitimidade e idoneidade de quem vende os medicamentos dado que alguns vendedores não tinham o domínio da utilidade de algumas plantas, o que podia perigar a saúde pública.
CONTROLO DE DOSAGENS
A dosagem dos medicamentos tradicionais no tratamento de diferentes doenças constitui outro factor que preocupa o Instituto de Medicina Tradicional.
Aquele organismo tutelado pelo Ministério da Saúde admite que urge regulamentar as doses, sabido que as chamadas overdoses podem perigar a vida humana.
O cenário agrava-se pelo facto do Instituto de Medcina Tradicional ainda não possuir capacidade técnica e laboratorial de testar a toxicidade das diferentes plantas existentes nos diferentes locais de venda.
“No paístemos cerca de 5 500 espécies das quais metades são medicinais.Nós não temos experiência de trabalhar com elas e qualquer estudo é muito oneroso. Os reagentes são caríssimos e não são fáceis de obter em Moçambique”, explicou Felisbela Gaspar.
FISCALIZAÇÃO
NOS LOCAIS DE VENDA
O porta-voz da Associação dos Vendedores de Medicamentos Tradicionais (AVEMETRAMO), Simião Langa, disse ao domingo que para o controlo desta actividade foi criado um grupo de fiscalizadores que se encontram distribuídos pelos mercados.
Segundo o porta-voz da AVEMETRAMO, com a fiscalização “a actividade de venda está actualmente controlada. Antes havia pessoas que se infiltravam como vendedores nos mercados e comercializavam plantas falsas, e isso manchava a nossa imagem.”
Langa revelou que actualmente a associação (que existe desde 2005) tem procedido ao registo de vendedores nos mercados como forma de conhecer a idoneidade de quem vende. “Hoje não permitimos a entrada de menores nesta actividade dada a responsabilidade que este trabalho acarreta”, explicou.
XIPAMANINE: O GRANDE MERCADO
Composto por 172 vendedores de medicamentos tradicionais, o mercado de Xipamanine é um dos que mais vende medicamentos tradicionais.
De acordo com o porta-voz da associação, o mercado debate-se com problema de espaço adequado para armazenamento de seus produtos. “Aqui nem todos temos espaço adequado para colocar os nossos produtos. Gostaríamos de ter um, reservado apenas para nós”, apelou.
Segundo soubemos, a Associação se reúne mensalmente para debater problemas resultantes do exercício da actividade e melhores técnicas de conservação dos produtos.
LEGISLAÇÃO “EM BANHO-MARIA”
A Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO), a mais antiga associação de praticantes de medicina tradicional, está a preparar um projecto de lei para regulamentar o exercício de suas actividades no país.
“A existência de um instrumento legal vai estabelecer limites aos praticantes. Hoje vemos publicidade enganosa de médicos com poder de cura de doenças como o HIV o que não constitui verdade”, disse Fernando Romão Mathe, porta-voz da associação.
O nosso entrevistado sublinhou que a legislação permitirá, igualmente, que se faça o reconhecimento e registo da propriedade de determinada planta com potencial terapêutico.
“PRETENDEMOS CRIAR UMA FARMÁCIA
DE VENDA DE MEDICAMENTOS”
Domingos Sitoi, vice-presidente da Associação do Ervanários de Moçambique (AERMO), revelou que esta agremiação pretende criar uma farmácia ervanária como forma de garantir tratamento de diferentes doenças com base em ervas.
“Estamos a criar condições para materializar o projecto de criar uma farmácia para melhorar os serviços que prestamos às pessoas. Neste momento temos duas machambas, uma em Boane e outra em Marracuene, onde plantamos moringa, aloe-vera e batata-africana”, explicou.
Domingos Sitoi disse ainda que com estas machambasa associação tem sempre medicamentos frescos que garantem maior efeito de cura.
A nossa interlocutora referiu que “as pessoas têm recorrido às consultas para o tratamento de epilepsia, doenças venéreas e infecções internas”. Adiante explicou que a sua associação trabalha em coordenação com o Ministério da Saúde. “Sempre medicamos tendo em conta a medicação dada no hospital. Por exemplo neste momento tenho comigo 15 pacientes que o hospital os recomendou para também fazer o tratamento com base em ervas”.
A AERMO existe desde 2002, na cidade de Maputo, esta associação é composto por 1500 membros.