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“Cantinas-motorizados” fazem furor nos distritos

Por admin

O empreendedorismo está ao rubro no país. Como sói dizer-se, ninguém quer que lhe nasça capim nas palmas das mãos. Ao volante de turismos e camionetas, vendedores ambulantes começam

a seguir a máxima segundo a qual “se a montanha não vai a Maomé, Maomé vai á montanha”, o que, no caso vertente, equivale a dizer que se o cliente não vai à cantina, a cantina vai ao seu encontro. Em Maputo a moda é vender refeições em viaturas, nos distritos o negócio é outro. Capulanas, loiça e produtos agrícolas têm clientela garantida.

Em tempo de crise de oportunidades de emprego, até mesmo para quem tem formação técnico-profissional ou superior, o empreendedorismo é um santo remédio. Com um bocadinho de imaginação, jovens e adultos se desligam do ócio, inventam mini-empresas e fazem emagrecer as estatísticas do desemprego.

Os exemplos mais recentes de negociantes astutos podem ser assistidos em várias esquinas das cidades de Maputo e Matola, particularmente nas imediações de escolas e empresas, onde viaturas de tipo turismo, sobretudo o RAV4 e Spacio, são transformadas em “restaurantes móveis” e servem todo o tipo de refeições.

Nas manhãs abastecem a clientela de café, leite, chá e outras bebidas quentes acompanhadas de pão simples até às sandes mais sofisticadas. Ao meio-dia os menus variam desde a mais tradicional verdura até à complexa feijoada, bife, peixe, frango e acompanhantes múltiplos.

Porque este tipo de negócio não conhece derrotas, algumas vendedeiras disseram à nossa Reportagem que já estão a servir jantares, o que lhes obriga a contratar colaboradores para quase todas as operações associadas à confecção dos alimentos. “Temos pouco tempo de descanso porque as solicitações não param”.

Enquanto isso, nas entradas de empresas e também de instituições bancárias, homens e mulheres posicionam-se com elevada discrição para vender chamussas, rissóis, badjias, entre outros. Mas, há quem consegue aceder aos espaços internos das empresas para exibir catálogos e até vender perfumes, roupa, calçado, louça, produtos de mercearia, chouriço, bacon, salsichas, telemóveis, e muito mais.

Um outro grupo de empreendedores recorre aos carros fechados e abertos para vender ovos, frangos, batata, feijão, amendoim, entre outros produtos agrícolas e pecuários colhidos em hortas e quintas localizadas na chamada cintura verde de Maputo.

 

O que torna o negócio de refeições próspero é o facto de não estar propenso à concessão de créditos, ou seja, salvo raras excepções, os comerciantes entregam um prato de comida por empréstimo, o que lhes garante retornos imediatos, o que já não acontece em relação aos que se dedicam à venda de perfumes, calçado, roupa e charcutaria que deixam o produto ser “devorado” pelo cliente e só ao final do mês é que recebem o que lhes é devido.

 

Cantinas motorizadas

Se nas cidades de Maputo e Matola as viaturas são usadas para a venda de comida pronta a servir em áreas bem definidas, nos distritos a coisa é bem diferente. Por lá, os comerciantes empreendem viagens de pelo menos 15 dias à cata de clientes que podem ser grossistas ou retalhistas.

Recentemente circunvagamos pelo interior da província de Inhambane, tendo como base a vila de Nova Mambone, sede do distrito de Govuro, onde demos de caras com camionetas carregadas de produtos de primeira necessidade, loiça e capulanas que atraiam dezenas de homens e mulheres.

Banhados de curiosidade, aproximámo-nos duma camioneta delas mas, o seu proprietário deu a entender que não percebia mais do que um simples “bom dia”. Puxamos pela língua local, o tswa ou xitswa mas, o homenzinho teimava em não soltar a língua. Ensaiamos uma saudação com o sorriso “de orelha a orelha” contando que o atrairíamos à conversa, nada.

Porque aquela cena já estava a tornar-se engraçada, balbuciamos umas palavrinhas em inglês e, mesmo assim, ouvimos silêncio, pelo que mudamos de estratégia e juntamo-nos ao grupo que pegava neste copo, naquele jarro, chaleira, termo, bule, chávena, jogo de facas, colheres e garfos para só para ver como é que aquele “mudo” circunstancial fazia o negócio.

 

Passados alguns minutos, escolhemos um jogo de taças e quisemos saber quanto pagaríamos por elas e o comerciante, gesticulando, orientou-nos a falar com o empregado. “Ele é zimbabwiano e acho que não gostou da vossa presença, porque percebeu que vocês são jornalistas”, disse.

Apesar de contrariado, o jovem empregado afirmou que os produtos expostos naquela camioneta eram adquiridos nas cidades da Beira e Maputo mas, a mini-empresa está sediada nos distritos de Mabote e Vilanculo, em Inhambane, de onde parte para vários destinos desta mesma província. “Fazemos este negócio há cerca de dois anos e viajamos até ao rio Save com paragens em Maluvane, Inhassoro, entre outros aglomerados populacionais”.

Naquele instante apurámos que estes comerciantes observam a regras de marketing bem estudadas, nomeadamente a fidelização de clientes através de descontos e créditos para revendedores com lojas, barracas e bancas, e oferta de brindes aos clientes solitários, o que os torna populares no meio rural.

 

Trezentas

capulanas por dia

Um pouco mais adiante, uma outra carrinha estava pejada de capulanas e, pelo ar do vendedor, percebemos que era moçambicano, pelo que não hesitámos em abordá-lo para perceber os contornos daquela modalidade comercial que pareceu que deixava os lojistas locais a “ver navios”.

Mal soltamos a saudação de praxe, e antes que lhe perguntássemos o nome, o comerciante começou a “desenrolar a fita” dizendo que se chamada Abílio Manjate, e que está a desenvolver a actividade há cerca de três anos com o seu sobrinho, Paulo Salvador Muthisse.

Na mesma toada enunciou que nos primórdios ambos usavam uma viatura de tipo turismo com a qual palmilharam alguns distritos das províncias de Maputo, Gaza e Inhambane até amealharem fundos suficientes para cada um adquirir uma carrinha de caixa aberta. “A partir daí desenhamos um plano de trabalho e cada um vai para um ponto diferente, ou seja enquanto uma equipa segue no sentido ascendente (para o norte) a outra faz o sentido inverso”, disse.

As capulanas que Manjate e Muthisse vendem são adquiridas em Maputo e levadas até ao rio Save, com paragens em Manhiça e Xinavane, na província de Maputo, Macia, Xai-xai, Chissibuca, em Gaza, Mavila, Zavala, Inharrime, Massinga, Vilanculo, Mambone, Maluvane, Inhassoro, Govuro e Mabote, na província de Inhambane.

Segundo Abilio Manjate, cada expedição leva cerca de duas semanas, com uma ou duas noites passadas em cada ponto que apresente sinais de boas vendas, com particular destaque para as vilas mais povoadas e com assinalável poder de compra, como são os casos de Massinga e Vilanculo.

Sempre a vender capulanas, a dupla Manjate e Muthisse obteve lucros tais que conseguiu reunir fundos suficientes para adquirir camionetas Toyota Dyna com as quais leva as capulanas ao encontro da freguesia feminina que, em alguns casos não hesita em adquirir peças inteiras (cada peça leva seis capulanas).

Isso acontece muito com as senhoras que fazem parte de grupos de crédito rotativo ou que vão participar em cerimónias nupciais. Temos situações em que vendemos cerca de 300 capulanas num só dia”, referiu Manjate.

Mas o que anima a clientela é o preço que lhes sabe à oferta, na medida em que uma capulana lhes sai a 100 meticais e um máximo de 140 meticais e a peça anda à volta de 540 e 780 meticais. Conforme apurámos, os tipos de capulana que mexem com o imaginário feminino nesta época são Xadrez, Wax, Xita e Djava. “Estas é que estão a bater”, afirmou.

Apesar de ser um negócio com lucros à vista, o que deixa estes comerciantes perturbados é o facto de, vezes sem conta, alguns clientes não hesitarem em fazer desaparecer alguns produtos, num gesto que abrange a pessoas de ambos os sexos e de todas as idades.

 

Abílio Manjate conta que enquanto vende procura redobrar a vigilância em redor da banca porque, segundo ele, “algumas mulheres experimentam uma capulana, duas ou três e, de permeio, ficam com uma ou mais e vão embora fingindo que não gostaram ou que não tem dinheiro”.

Por causa disso, afirma que cada camioneta conta com quatro jovens que, para além de ajudarem a desdobrar as peças, tem a espinhosa missão de vigiar as clientes e, em alguns casos enfrentar o dilema de revistar bolsas femininas ou, em caso de suspeita, obrigar algumas mulheres adultas a mostrarem o que levam para além da roupa do corpo.

A par destes percalços, os vendedores ambulantes que encontramos lamentam o facto de permanecerem muito tempo longe das famílias, expostos a riscos de acidentes, assaltos e intempéries de vária ordem o que nem sempre é compensado pelo lucro. 

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