Tomaz Salomão terminou ontem o seu mandato de oito anos à frente do Secretariado Executivo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Na hora de despedida, ele afirma
que“a África Austral é uma região estável do ponto de vista político e de segurança e com um futuro promissor.”
Tomaz Salomão acredita que o plano indicativo regional de desenvolvimento vai mudar por completo a região onde abundam recursos naturais, desde carvão, petróleo, gás, entre outros, realçando que tudo isto, associado às infra-estruturas, vai atrair muito investimento para a SADC.
No momento do adeus, Tomaz Salomão sublinhou que sai de cabeça erguida e deixa uma SADC saudável em termos de sistemas e de gestão. Descreveu a presidência de Moçambique, nos últimos doze meses, como brilhante. Acompanhe a entrevista em discurso directo.
Senhor Tomaz Salomão, olhando para a recente cimeira de Lilongwe, onde Moçambique passou a presidência da SADC ao Malawi, que avaliação faz? Que desafios a organização tem a curto, médio e longo prazos?
Como sabe esta foi a minha última participação na cimeira da SADC como secretário-executivo da organização, e, basicamente, foi para mim uma ocasião para dar conta do exercício findo e daquilo que foram os anos em que estive ao serviço da comunidade e aquilo que foram as minhas recomendações para o futuro. Creio que em algum momento terei ocasião de fazer um trabalho mais elaborado à volta disso, porque há coisas mais profundas que gostaria de partilhar com os moçambicanos. Mas, sem dúvida nenhuma, que cheguei ao fim do meu mandato e posso afirmar com segurança que a SADC é uma região estável do ponto de vista político, de segurança e da maneira como os processos democráticos, mesmo num processo de aprendizagem, são tratados. Com erros aqui e acolá, estamos estáveis e temos segurança, que é o pressuposto básico para podermos olhar para o futuro.
A história é para se escrever, mas ela é a referência para olharmos para o futuro e nesse olhar para o futuro também fica claro que aquilo que temos que fazer é na base dos instrumentos que foram preparados e aprovados, operacionalizar e implementar os projectos regionais para levar a região a níveis mais altos. Mas nesse processo, tendo o Homem no centro das atenções, o Homem do ponto de vista de acesso à educação, saúde, segurança alimentar e, acima de tudo, aquilo que é mais nobre: acesso ao trabalho.
GRANDES DESAFIOS
Quais são os grandes desafios?
Fica claro que neste processo de revisão do plano indicativo regional de desenvolvimento, que é o plano estratégico da SADC, as grandes coisas que temos que tratar dizem respeito à continuação do processo de implementação do plano de desenvolvimento das infra-estruturas aprovado em Maputo no ano passado.
Este ano fizemos a “marquetização” do plano com eventos na Alemanha, Grã-Bretanha e no Japão, culminando com a Conferência de Alto Nível em Maputo. Subsequentemente a isto, temos que continuar com o processo de operacionalização do Fundo de Desenvolvimento da organização, porque para o período de cinco anos, precisamos de mobilizar sessenta e cinco biliões de dólares para implementar os projectos nas área de energia, estradas, ferrovias, aeroportos, telecomunicações, transportes, gestão da água, como projectos regionais que obviamente complementam projectos nacionais.
Outro desafio é a consolidação da Zona de Comércio Livre e a assinatura do Acordo da Zona Tripartida de Comércio Livre, como sinal para aumentarmos o volume de trocas comerciais no continente, tendo em conta que nos próximos quarenta anos, a procura de comida vai crescer no mundo e nós temos o potencial para produzir para o nosso consumo e para exportar, conscientes de que hoje ainda tempos défice de segurança alimentar, mas, em termos de futuro, precisamos de produzir para a nossa auto-suficiência alimentar e para exportação. Mas, associado a isto, e à Zona de Comércio Livre, temos que adoptar políticas claras do ponto de vista de vantagens comparativas e sabermos quem faz o quê no desenvolvimento da indústria, em particular nos aspectos que se prendem com o fortalecimento das agro-indústrias.
Mas como fazer isso?
É claro que tudo isto pode ser suportado pela maneira adequada como gerirmos os nossos recursos naturais, que estamos a descobri-los em grandes volumes, nomeadamente, ouro, diamantes, petróleo, gás e carvão. Mas tudo isto deve ser orientado para melhorar a projecção e o estado da nossa balança de pagamentos para nos conferir uma melhor visibilidade e estabilidade macroeconómica que, conjuntamente com a paz e políticas claras, vão fazer da SADC um destino obrigatório do investimento quer nacional como estrangeiro.
Isto deve ser reforçado por aquilo que é o elemento forte: formarmos técnicos e quadros que tomem o destino dos nossos países nas suas próprias mãos, que desenhem as políticas, que negoceiem contratos adequados com conhecimento do que estão a fazer, porque todos esses que vêm investir querem ganhar dinheiro, mas nós também queremos fazer coisas que permitam que defendamos e protejamos os supremos interesses dos nossos países e isso só pode ser feito se os nossos homens, os nossos recursos humanos, os nossos quadros tiverem preparação suficiente para conhecer todos os malabarismos, todas as manobras e todas as técnicas que estão por detrás da negociação de grandes contratos, ou seja, os nossos técnicos têm de ter a capacidade de ver o invisível ou de prever o invisível.
PRECISAMOS
DE TÉCNICOS QUALIFICADOS
Então, precisamos de técnicos mais qualificados?
Precisamos de preparar devidamente os nossos técnicos e, eventualmente, as nossas universidades precisam de alterar o modelo da sua formação, no sentido de formar não só Phds, mas, ao mesmo tempo, formar quadros que tenham o domínio do “saber fazer”.
É verdade que é indispensável a existência de uma intelectualidade de grande nível para se ocupar da docência nas universidades, mas o “saber fazer” é fundamental. E eu creio que esta região será uma referência no continente e no mundo, porque existem condições para avançarmos nessa direcção.
Dr. Tomaz Salomão, esteve oito anos à frente da SADC. De que forma este bloco regional de quinze países pode marcar diferença na arena africana e mundial?
Nós já estamos a marcar diferença. E a diferença é que nós estamos a fazer coisas. E o primeiro ganho é sabermos resolver as nossas diferenças entre nós, falando. O processo do Zimbabwe é um exemplo. Podem haver aqueles que contestam os resultados eleitorais, mas o facto é que no passado dia 31 de Julho, os zimbabweanos saíram e foram votar num ambiente diferente daquele que vi em 2008, sem violência. E isto precisa de ser enaltecido, de ser saudado e marcado. Nestas eleições de 2013 ganhou aquele que foi eleito pelos zimbabweanos, mas daqui a cinco anos há-de haver novas eleições e no processo de consolidação da democracia há-de haver sempre um vencedor e precisamos de continuar neste processo. Nós defendemos que sejam levantadas as sanções impostas ao Zimbabwe para que volte ao concerto das nações e possa dar o seu contributo ao desenvolvimento da região e do continente. No Lesotho a situação está estável. Estamos a trabalhar em Madagáscar para ajudar os malgaxes a sair da crise. E os anúncios recentes mostram que já há um caminho para fazer eleições em Madagáscar. Estamos a ajudar a República Democrática do Congo a estabilizar. Colocámos no terreno a brigada de intervenção para apoiar o processo de estabilização do Congo. É um processo complicado, difícil, mas este é o caminho para ajudar o Congo.
Como disse, temos políticas claras, em particular a Zona de Comércio Livre e a Zona Tripartida. Mas precisamos de paz para concentramos os nossos recursos e as nossas atenções na implementação dessas políticas desenhadas nos vários domínios, tendo como enfoque o plano-director das infra-estruturas.
Portanto, a diferença deve ser marcada por fazermos coisas e monitorar o que está a ser feito e lá onde forem identificados erros, corrigirmos e continuarmos na direcção correcta. Isto é que está a fazer a diferença. Isto é o que está a fazer com que a SADC seja uma zona que atrai interesses e cidadãos de todas as partes do mundo, que procuram uma região que exista paz, políticas claras e uma direcção. Mas tudo precisa de ser consolidado para que tenha impacto na vida das pessoas, do cidadão e das famílias. Isto é o que vai marcar profundamente a diferença.
OITO ANOS À FRENTE DA SADC
Na última cimeira da SADC realizada no Malawi, os chefes de Estado saudaram o seu desempenho durante o mandato. Pode explicar que SADC encontrou em 2005? Por exemplo, num dia dormir em Luanda para no dia seguinte estar em Dar-es-Salaam para resolver problemas da SADC?
A grande responsabilidade de um secretário-executivo da SADC é manter os países juntos, por maiores que sejam as suas diferenças. Se, por exemplo, o secretário-executivo tem de chegar às 18 horas a Luanda e no dia seguinte estar em Dar-es-Salaam para manter a região unida, ele tem de fazer isso. Manter os países juntos, manter a coesão e a unidade, principalmente lá onde há diferenças, este é o papel central do Secretário-Executivo da SADC.
Em caso de diferenças, o secretário-executivo tem de ter a capacidade de dizer aos chefes de Estado para se sentarem à mesa e resolver as diferenças, nem que seja necessário levar quarenta e oito horas sem sair da sala. E as decisões da SADC não são tomadas por voto. São tomadas por consenso e o processo de construção de consensos é muito difícil e isso obriga o secretário-executivo a andar de porta-a-porta para construir a coesão, daí a razão destes cabelos brancos (risos).
Mas como encontrou a organização na sua chegada?
O segundo aspecto foi dar dignidade à instituição. Quando cheguei a Gaberone, as pessoas perguntavam onde é a sede da SADC. Uns estavam no edifício doado pelo governo tswana, a quem agradecemos, outros estavam em casas arrendadas. Estávamos divididos e dispersos por toda a cidade de Gaberone. Entendi que aquilo não podia continuar. Era preciso termos uma casa. Era preciso termos um tecto. Era preciso dar dignidade à instituição. Trabalhamos. Desenhamos um projecto. Discutimos com os ministros das Finanças da organização, com quem fui mandatado para interagir e pusemos uma excelente equipa de arquitectos a desenhar o projecto. Demos os nossos inputs e construímos a sede da organização. Trouxemos todas as direcções e unidades para debaixo do mesmo tecto.
Hoje, já temos um endereço – a sede da SADC – para onde trouxemos pessoas provenientes de quinze culturas diferentes, backgrounds diferentes, hábitos diferentes, formações diferentes, para trabalharmos como uma equipa, independentemente da nossa origem, francófonos, anglófonos, lusófonos. Aqui somos uma equipa que tem um trabalho e um mandato.
Por outro lado, as unidades da SADC estavam dispersas pelos quinze países da organização. Tiveram que ser desmanteladas e transferidas para Gaberone. Por outro lado, não havia sistemas, processos e procedimentos padronizados. Tivemos que construir sistemas administrativos, financeiros, tecnologias de informação e comunicação, construir uma instituição. E levamos cinco a seis anos – de 2005 a 2011. Mas fomos fazendo auditorias sistemáticas ao trabalho que estávamos a fazer.
E ganharam prestígio internacional…
Em 2011, a União Europeia veio ter connosco e disse: nós acreditamos nos vossos processos e nos vossos sistemas. Têm standards internacionais e por isso vamos colocar o nosso dinheiro à disposição da organização. Não é qualquer instituição que faz isso. Veio o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e todas outras instituições e todos renderam pelo nosso trabalho.