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Pesadelos no grande palmar

Por admin

O palmar da província anda doente há cerca de 10 anos. Cálculos da Direcção Provincial da Agricultura (DPA) indicam que Zambézia tinha 15 milhões de coqueiros, dos quais sete milhões 

morreram e grande parte dos que sobraram estão doentes e precisam de ser abatidos com urgência. Na génese de tamanha mortalidade está um estranho microorganismo que provoca o amarelecimento e morte das árvores. Como um mal nunca vem só, surgiu um tal Oryctes, insecto que rói os coqueiros até perderem a capacidade de sobreviver, ao que se associa a velhice do palmar. Por causa disto, um milhão de famílias perderam a sua fonte principal de renda e a economia local retraiu. O Governo, através da Conta dos Desafios do Milénio (MCA), interveio no sector mas o caminho a percorrer ainda é sinuoso.    

 

O coqueiro é o centro da vida de milhares de famílias na Zambézia, sobretudo nos distritos costeiros, nomeadamente, Pebane, Maganja da Costa, Nicoadala, Quelimane, Inhassunge e Chinde. Aqui, esta árvore faz parte da identidade cultural e se entranha na construção de casas, produção de peças de mobiliário, culinária, música, artesanato e até serve para produzir caixões.

Entretanto, a partir dos primórdios da década de 2000, as comunidades e empresas que gerem os mais de 100 mil hectares de palmares desta província começaram a observar que algo corria mal por ali, pois, do nada, a folhagem das árvores começou a amarelecer, os cocos caíram ainda novos e os coqueiros morreram um atrás do outro.

Pelos sintomas que os coqueiros apresentavam, chegou-se à conclusão de que se tratava da doença do Amarelecimento Letal do Coqueiro (ALC), que é causada por um microorganismo que se incorpora em algum tipo de insecto ainda não identificado e se propaga com rapidez pelo palmar.

Porque o coqueiro é um hospedeiro natural de centenas de insectos, especialistas do Instituto de Investigação Agrária andam agora às voltas à procura do vector da contaminação, acção que já anunciam que é como “procurar uma agulha no palheiro”.

Segundo eles, só depois de se descobrir como é que o tal microorganismo se propaga é que se poderá iniciar a luta contra este inimigo invisível que está a dilacerar a economia de milhares de famílias, de empresas agrárias e da província.

Aliás, há indicações de que o plantio de coqueiros híbridos foi banido na Zambézia por se ter constado que esta variedade é altamente produtiva mas é também muito vulnerável a doenças.

Sabe-se que o ALC afecta as províncias de Cabo Delgado, Nampula e Zambézia, e consta que o contágio terá iniciado a partir do sul da Tanzania. O que transforma o caso da Zambézia numa excepção é o facto de esta província possuir mais de 100 mil hectares só de coqueiro, dos quais acima de 70 mil estão sob o cuidado do sector familiar e os restantes 30 mil nas mãos de empresas agro-industriais.

Entendidos na matéria afirmam que um coqueiro comum pode dar entre 60 e 70 cocos por ano, durante cerca de 60 anos, e a maior parte dos camponeses possuem palmares com várias dezenas e até mesmo centenas de pés de coqueiros que lhes dão dinheiro o ano inteiro.

 

“Napuim” e velhice

 

Enquanto a população chora pela perda de coqueiros devido ao ALC, eis que surge o insecto Oryctes, a que a população prefere apelidar de “Napuim”, que também faz das suas. Conforme testemunhámos em vários pontos desta província, o “Napuim” devora a folhagem e chupa a seiva até as árvores secarem e o palmar se transformar numa plantação de troncos, ou melhor, de postes, perante o desespero dos camponeses.

É verdade que neste caso existe a vantagem do insecto ser visível e, por isso, conhecido e haver algum domínio da técnica para acabar com ele, pois, com um simples arame, é possível extrair o Oryctes do seu covil e matá-lo. Mas o nível de devastação feito pela dupla ALC e “Napuim” deixou a população numa “mega-aflição”.

Dados colhidos junto de Rogério Henriques, Administrador-Delegado da MADAL, empresa agro-industrial que, entre outros, produz e comercializa copra e outros subprodutos do coco, indicam que o ALC e o “Napuim” foram os responsáveis pela redução das exportações de óleo de coco desta empresa, que se situavam em cerca de cinco mil toneladas em 2006, para apenas uma tonelada no presente.

Para complicar as contas de todos, constata-se que o palmar local é bem velhinho, o que o torna susceptível a angariar problemas associados ao Peso da Idade (PdI). Como se isso não bastasse, grandes áreas sob tutela de empresas agrícolas seculares, tais como a MADAL, BOROR, Companhia da Zambézia e Companhia de Mocuba, estão literalmente abandonadas, o que contribui para a propagação dos problemas no resto do palmar da província.

Durante a semana finda, a nossa equipa de Reportagem percorreu diferentes pontos da zona costeira da Zambézia e observou o nível de destruição a que o palmar local está votado. A título de exemplo, na região de Macuse, interior do distrito de Namacurra, a paisagem é feita de puros postes de coqueiros, despidos de vegetação, o que evidencia o nível de destruição a que aquele palmar está votado.

Perante este quadro dramático, em que as empresas que garantiam o emprego a milhares de camponeses sucumbiram e o palmar deixou de ser produtivo devido à combinação do Peso da Idade, ALC e “Napuim”, a desgraça começou a bater às portas das famílias e a se instalar bem no centro do estômago de cada um.

Sem renda, muitos agregados familiares viram o desemprego chegar apressado, acompanhado pela redução da qualidade de vida e pela insegurança alimentar, sobrando àqueles a urgência de se mudar para as proximidades das cidades, à busca de novas oportunidades.

Segundo o director provincial da Agricultura da Zambézia, Ilídio Bande, parte dos habitantes das áreas cobertas pelo palmar nunca se tinham dedicado à agricultura como actividade principal. “Não precisavam, pois, dependiam completamente do coco. Cuidavam do palmar, colhiam o coco e vendiam-no para as empresas aqui estabelecidas. Também usavam a folhagem para cobrir as casas e os troncos para produzir madeira. Tinham tudo no coqueiro”, disse.

Com a fonte de renda a secar perante a sua impotência, alguns camponeses se transformaram em produtores de carvão, mas, como por ali não há outro tipo de floresta, estes recorrem à devastação de mangais para extrair lenha e produzir carvão vegetal que vão vender nas zonas urbanas.

Enquanto isso, alguns grupos invadem áreas ainda produtivas das empresas agro-industriais e surripiam coco e lanho que depois é vendido nas ruas e mercados locais, o que gera “barulho” entre as comunidades e as empresas. “Cerca de 40 por cento do coco que é vendido nos mercados e ruas da província é roubado”, acusa Rogério Henriques, da MADAL. 

  

Dezoito milhões de dólares

 

Porque a devastação levada a cabo pelo trio ALC, “Napuim” e velhice do palmar é assustadoramente grande, o Governo, através da Conta dos Desafios do Milénio (Millenium Challenge Account – Moçambique) disponibilizou um total de 18 milhões de dólares para se identificar soluções práticas para reduzir o índice de contaminação através do abate e incineração das árvores doentes, replantio e controlo da doença e da praga.

Segundo Josef  Pudivitr, gestor desta iniciativa, a missão de reduzir a contaminação através do abate de árvores doentes e da vigilância dos locais onde há suspeitas permitiu que a prevalência da doença decrescesse de mais de 10 por cento para cerca de um por cento.

Para que a população que depende completamente do coqueiro não desespere, a acção do Governo incluiu a formação de grupos de voluntários e a disseminação de técnicas de identificação de coqueiros com sintomas da doença para que possam abater as árvores quanto antes. Também foram distribuídos kits de instrumentos para a realização destas operações com o mínimo de segurança.

Porque a fonte de renda das comunidades locais está a secar a galope, o Millenium Challenge Account (MCA) está a orientar a população a produzir gergelim para que possa ganhar dinheiro ao fim de cada época, ao mesmo tempo que ajuda a melhorar as técnicas de produção de arroz, hortícolas e leguminosas, e estimula o replantio dos coqueiros.

 

O pesadelo continua

 

Conforme constatamos no terreno, o Governo, via MCA, mal tem tempo para celebrar a redução do ALC, do domínio das técnicas para o extermínio do “Napuim” e para rejuvenescer o palmar. No lugar de festa, há um sentimento de que caso não se persista na vigilância, em breve o país pode dizer “Adeus” àqueles 100 mil hectares de palmar e, pior, a província de Inhambane poderá fazer o mesmo a breve trecho.

É que o sector familiar afectado pelo “trio” na Zambézia cumpriu com nota positiva com todas as instruções dadas pelos peritos do MCA, porém, o mesmo não foi feito pelas empresas agro-industriais que controlam 30 por cento do palmar provincial.

Como resultado, a doença refreou nas machambas dos camponeses, mas, continua a matar nos quintais das empresas que se localizam a paredes meias, o que faz perceber que se não haver medidas urgentes de controlo do palmar de empresas como a MADAL, BOROR, Companhia da Zambézia e de Mocuba, os 18 milhões de dólares, podem ter sido jogados ao lixo.

Pior em tudo isto é que o projecto MCA, que tinha a duração de cinco anos, está em fase de fecho de contas e só o governo norte-americano sabe se vai aprovar um segundo compacto de financiamento para o país e, em particular, para este sector que, conforme dissemos antes, tem a doença do ALC controlada a níveis de um por cento ou menos, mas enquanto o vector da doença não for conhecido e o “vizinho” teimar em manter o seu palmar em estado de coma, todo o esforço até aqui feito pode redundar em fracasso.

Segundo Ilídio Bande, a província da Zambézia já tem em mãos a sua posição em relação a este problema e poderá canalizá-la ao Ministério da Agricultura para posterior análise ao nível do Governo central, sobretudo no que tange á necessidade do sector privado local ser envolvido nas acções de combate ao “trio” ALC, “Nampuim” e velhice do palmar. 

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