“Perguntei como é que se diz graça em gitonga e ele respondeu-me: ‘… ehhh garaça… sim, é garaça mesmo’; e eu retorqui: ‘Você quer dizer que antes da chegada dos portugueses não havia graça de Deus entre nós? Não, não, não. Existe a palavra em gitonga’”. Este extracto de uma conversa entre o Bispo Emérito da Diocese dos Libombos, Dinis Sengulane, e um fiel da Igreja Anglicana natural da província de Inhambane serve de pretexto para uma reflexão em torno do espaço que as línguas moçambicanas têm na vida dos seus falantes.
Para melhor enquadramento do tema, mostra-se necessário recuar na história, desde o tempo que se definiu que “o português era a língua legítima para o ensino; associada ao progresso, ao desenvolvimento, à mobilidade social, etc., e as outras (moçambicanas de origem bantu) eram de accão…”, portanto, “não associadas ao conhecimento, no sentido de conhecimento ocidental, no sentido de ciência”, citou Feliciano Chimbutane, pesquisador, em conversa com a reportagem do domingo.
Ora, se para alguns este assunto soa a uma ligeira cantiga sem significação de proa, esta realidade agudiza os danos decorrentes daquela ideia cultivada pela mão estrangeira, conforme expôs Chimbutane, ao abordar questões atinentes à resistência ao uso das línguas locais no ensino, apenas para citar um exemplo: “este aspecto que foi desenvolvido no tempo colonial continua a guiar as nossas mentes, as nossas cabeças, e é mais inculcado em grupos da classe média e alta, do que nas próprias classes mais vulneráveis”.
O facto é que o quadro aqui descrito é o reflexo do que ocorre em várias famílias moçambicanas, como a de António Nhamatsenha, que reconheceu que “perdemos tempo influenciados pela ideia do colonizador, que dizia que as nossas línguas são línguas de cão, e não ensinamos os nossos filhos a falar o que é nosso. Hoje arrependo-me por isso”. Leia mais…
TEXTO DE CAROL BANZE
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