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Questões prévias são subterfúgios para emperrar as conversações

Por admin

– afirmam académicos ouvidos pelo domingo a propósito da última ronda negocial havida há dias entre o Governo e a Renamo

As pré-condições apresentadas pela delegação da Renamo na segunda ronda do diálogo com o Governo visam impossibilitar o alcance de consensos, tendo em conta que estas estão desenquadradas do quadro legal vigente no país – defendem académicos e analistas políticos ouvidos esta semana pelodomingoa propósito das conversações reiniciadas entre as duas partes.Os nossos entrevistados argumentam que, ao colocar tais exigências, a perdiz pretende dilatar o tempo das conversações com o objectivo de inviabilizar a realização dos próximos pleitos eleitorais, aos quais tem medo de concorrer.

 

O Governo e a Renamo estiveram há dias reunidos no Centro de Conferências Joaquim Chissano, no âmbito do prosseguimento de esforços tendentes a ultrapassar as diferenças que opõem os dois antigos beligerantes, mormente a algumas questões da vida económica política e social, assim como a questão dos discursos belicistas, entre outros aspectos.

No entanto o encontro não passou daquilo que se apelidou de análise de algumas questões prévias, nomeadamente, libertação de 15 membros da Renamo, detidos em conexão com o ataque ao posto policial de Muxúnguè, província de Sofala, em Abril último; retirada da Força de Intervenção Rápida (FIR), posicionada em Gorongosa, onde Afonso Dhlakama se encontra entrincheirado e na sua sede em Nampula, bem como a aceitação de facilitadores nacionais e observadores da SADC, União Africana (UA) e da União Europeia (UE).

Nesse contexto, domingo saiu à rua para ouvir alguns académicos, os quais não se mostraram surpreendidos com atitude da Renamo, uma vez que, na sua óptica, ela tem como objectivo primordial a inviabilização das eleições que se avizinham.

 

ARRASTAR O DIÁLOGO PARA UM IMPASSE

 

O advogado e docente universitário Pedro Macaringue diz que ao apresentar as chamadas questões prévias, em vez de partir para o diálogo, a Renamo pretende ganhar tempo para arrastar as conversações a um impasse, de modo a não se realizarem os próximos pleitos eleitorais.

“As questões colocadas têm como propósito único obviar a condução do diálogo. Se reparar, grande parte dos pré-requisitos que estão a ser chamados à colação, visam afastar tudo aquilo que são normas e preceitos constitucionais legalmente instituídos”, disse Macaringue para depois acrescentar:

“Estamos a partir para uma questão de pré-negociação, como se estivéssemos numa situação de conflito, o que não é o caso. Eles têm o direito de solicitar ao Governo do dia e serem ouvidos, porque têm uma palavra a dizer à sociedade. O que não pode acontecer é tentar subverter a ordem do dia para impor as suas directivas ou intenções.”

Segundo afirmou, as pré-condições apresentadas pela perdiz estão associadas ao período eleitoral que se avizinha, uma vez ser um dado adquirido de que a Renamo não está preparada para tomar parte.

 “A Renamo tem consciência de que ao partir para as eleições, nas condições em que se encontra, não tem grandes possibilidades de manter o que tem conseguido até aqui a não ser por via de afastar ou suspender os mecanismos ordinários e constitucionalmente consagrados”.

Na ocasião ressalvou que quando foi das primeiras tentativas de diálogo que culminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992, as pré-condições ou os requisitos apresentados faziam sentido. “Isso porque a Constituição dessa altura não contemplava grandes questões, como, por exemplo, acomodar opiniões diferentes das do governo do dia e outras situações que foram sendo limadas e que acabaram sendo introduzidas na Constituição de 1990.”

Sublinhou que nos actuais moldes do diálogo, levantar a hipótese de suspender ou contornar a Constituição para acomodar os pré-requisitos da Renamo “é no mínimo uma aberração, porque desde logo se assume que eles estão a negociar com um Governo saído de uma ordem constitucional, pelo que enquadrar as pré-condições estaremos à margem do ordenamento jurídico moçambicano.”

Sobre a pretensão da Renamo, segundo a qual há necessidade de se introduzir observadores da Comunidade dos Países de Desenvolvimento da África Austral (SADC), União Africana (UA) e União Europeia (UE), o nosso interlocutor disse não fazer sentido, uma vez que o quadro jurídico prevê condições para que qualquer que seja apresente as suas inquietações.

“Suspender a Constituição para acomodar as exigências da Renamo é caricato, porque esse pedido ocorre numa altura em que a Assembleia da República está a proceder à revisão constitucional. Por que é que tendo tido a oportunidade para o fazer, não solicitou a inclusão de alguns pontos que pretende discutir ou rever na Constituição na própria Casa do Povo, que é o fórum apropriado? Hoje vem por meio destes artefactos adicionais pretender a revisão da Constituição. Então, algo estranho existe e aventuro-me a dizer que provavelmente as reais intenções da Renamo não sejam a revisão constitucional senão o assalto ao poder por mecanismos extra-constitucionais”,frisou Macaringue.

No que diz respeito à apregoada distribuição da riqueza defendida pela “perdiz” e sectores a ela próximos, Macaringue  defendeu existirem mecanismos apropriados para que a Renamo ou qualquer organização beneficie dela desde que observe a legislação. “Não vejo de que forma o Governo pode acomodar esta pretensão fora dos mecanismos instituídos. Refiro-me muito a isso porque me parece que há uma certa tendência de se pensar que afastando a Constituição tudo se resolve. Pelo contrário, no dia em que por hipótese suspender-se a vigência da Constituição, que se diga de passagem, foi aprovada em 2004 por consenso de todas as forças vivas da sociedade, corremos o risco de cair no abismo”.

Na sua óptica, o que deve acontecer é melhorar os critérios e as formas de acesso ou da distribuição da riqueza. “Agora, dizer que por via da subversão da ordem do dia pode se aceder 

 DILEMAS DE QUEM NÃO ESTÁ PREPARADOà riqueza, é uma espécie de chantagem, no sentido de conferir os mesmos direitos que alguns conseguem com o seu trabalho, a outros que não fazem nenhum, mas que desejam estar bem”.

 

 

Questionado sobre qual era o alcance do silêncio da Renamo quanto à preparação das eleições autárquicas, neste momento que faltam pouco menos de seis meses da sua realização, o nosso interlocutor referiu que se trata de uma demonstração inequívoca do dilema que abalou aquele partido.

“O silêncio é apenas continuação daquilo que é a característica e atitude deste partido. Se reparar, ela já assumiu publicamente que não vai participar nesse processo que se aproxima e todos os actos que tem praticado desde então, é com a premissa de que vai se abster das eleições”,disse Macaringue, sublinhando que neste momento a perdiz está num dilema, uma vez que as outras formações políticas estão numa fase avançada, enquanto ela continua a dormir à sombra da bananeira.

Não se pode de modo algum assumir participar num processo eleitoral, quando, à partida, sabe-se que não se preparou. Aliás, um dos partidos de oposição que nos últimos tempos tem ganho expressão, após as eleições anteriores, começou a desencadear actos concretos que lhe possam conduzir à conquista de mais municípios nestas eleições”, anotou, referindo-se ao MDM.

Para ele, enquanto as outras formações políticas estão engajadas na preparação das eleições, a perdiz concentra as atenções para a intimidação da população através dos seus discursos belicistas e inflamatórios.

“O que a Renamo fez durante o tempo em que os outros se empenham na consolidação da sua base política foi a alteração constante da sua sede no que diz respeito à localização da liderança, um acto acompanhado pelo recrudescimento da violência praticada pelos seus “homens armados” com vista a alterar a ordem do dia”,explicou.

Sobre a exigência da paridade na Comissão Nacional de Eleições (CNE), Pedro Macaringue afirmou que tal pretensão já não faz sentido, tendo em conta que no país existem vários partidos políticos. “A paridade que se exige é em relação a quê? Já não estamos na situação em que as únicas forças expressivas eram a Frelimo e Renamo. Estamos numa situação em que finalmente se apercebeu que a Sociedade Civil deve ter um papel preponderante nos processos eleitorais”.

“A Lei Eleitoral é clara. Definiu a composição dos órgãos de fiscalização eleitoral em função da expressão que cada partido tem na AR. Este é mais um daqueles subterfúgios que são evocados para justificar a não participação no jogo. Isto é, está claro que não estão preparados para enfrentar qualquer que seja o processo eleitoral”,disse.

Ainda sobre a Lei Eleitoral, afirmou que é interessante o “barulho” que se levanta em torno da selecção dos elementos da Sociedade Civil aos órgãos eleitorais. “O papel da sociedade civil resulta essencialmente no reconhecimento que a Constituição dá a todo cidadão de participar na vida política do país e não se faz por intermédio de partidos políticos, até porque nem todo o indivíduo que tem uma vida política activa tem de necessariamente filiar-se a um partido”, referiu.

“O que pode acontecer é que há elementos da Sociedade Civil, até porque estão livres de o fazer, que se simpatizam com alguns princípios regidos pelos partidos políticos, o que não torna esse elemento necessariamente membro desse partido político. Se eles acham que o facto de alguns elementos criticarem a sua postura, sua forma de estar e em particular a sua inoperância e concluir-se que são elementos da Frelimo, esse posicionamento é típico de quem está desnorteado. Também não percebo em que medida se pode pensar que esses elementos são integrantes de uma cor partidária, quando são propostos por entidades não partidárias”,concluiu.

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