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Uma arte essencialmente humana

Por Idnórcio Muchanga

No teatro tudo é verdade, até a mentira– Augusto Boal

Gosto das artes no seu todo mas adoro, de forma particular, o teatro. O teatro é, na minha opinião, uma arte essencialmente humana. Teatro é olho no olho. Estes são os pilares do teatro: um actor olhando, nos olhos, outro actor. O olho é de uma sensibilidade única. Por isso mesmo é considerado o espelho da alma. O actor deve ofertar, a si mesmo, o seu olhar. É no olhar que se destapa a verdade. Teatro é amor. Por isso e muito mais é que eu celebro o teatro.

No fundo, todo Homem tem dentro de si um actor e – olha só – um espectador. Quem vê, pode ser visto. Quem se emociona – e esconde o olhar – também emociona os demais. Há uma relação única. Afinal teatro não é uma reprodução da realidade. É a sua representação. É o acto maior da auto-observação. É terapêutico.

Porque poderoso, ocorre questionar qual é o destinatário do teatro. Serão as massas? Será que o teatro deve ser produzido numa visão meramente popular? E os outros? Os políticos. Onde se colocam? Na plateia? É importante questionar o papel desta arte milenar. Continuamente; sob o risco de se perder a sua essência. A de se constituir como um lugar privilegiado da mudança/transformação da sociedade… sem contudo transformar-se num lugar de “culto”.

Não podemos perder de vista – e é importante este detalhe – que a arte teatral, nas suas origens, era uma manifestação democrática. Que aolongo dos tempos, a sua origem popular foi sendo usurpada e sua manifestação, antes livre, foi “romantizada” e os participantes divididos entre os activos (classe dominante) que proclamavam as verdades absolutas de um nível superior (palco) que deveriam ser aceites pela parte passiva (pobres ou classe trabalhadora) também conhecida como espectadores.

Quando Augusto Boal, brasileiro considerado o pai do teatro do oprimido, na década 60, iniciou um movimento que tanto tinha de político como de cultural, mal podia imaginar que, décadas depois, essa ferramenta chegaria ao nosso país e perduraria. Alvim Cossa, que teve oportunidade de participar em uma oficina de formação, dirigida pelo próprio Boal, é o responsável primeiro pela divulgação desse metódo no nosso país. Passam precisamente 18 anos quando realizou a primeira oficina para formação de Curingas (encenador que usa as técnicas de Teatro do Oprimido).

E é este o ponto-chave que interessa sublinhar; a capacidade de transformar o espectador (passivo) num actor (activo); fazer do espectador um agente participante. A força do chamado Teatro do Oprimido é exactamente essa a de ser um agente transformante. De buscar soluções para os problemas que o povo – em oposição dos políticos – enfrenta.

Até Boal dar o mote, dominava Bertolt Brech e Stanislavski. Estes eram a base de tudo. Os paradigmas começaram a mudar com a nova técnica. É como se dissesse que para libertar o espectador é preciso fazer a transgressão simbólica da invasão do palco.

Hoje podemos dizer que o TO- metodo que reúne exercícios, jogos e técnicas teatraiscom o objectivo de transformara realidade através do diálogo- introduziu uma nova forma de ser e estar no que ao teatro diz respeito. No nosso país, graças ao Centro de Teatro do Oprimido de Maputo, estas técnicas estão difundidas em todo o país. São centenas de grupos e milhares de praticantes. A Rede de Teatro Comunitário (RETEC) é fruto dessa luta iniciada há 18 anos.

Em epócas de manipulação onde os meios de comunicação se aliam às artes para levar o Homem menos atento a um estado de dormência mental, somos induzidos a assumir papéis ritualizados no jogo da vida onde cada vez mais a realização de nosso livre arbítrio se transforma em ilusão como a metáfora do arco-íris… afinal a percepção do real se dá em três níveis ascendentes. Primeiro, o da informação. Você vê. Se ficarmos nesse nível, somos informados e mais nada. Então, é preciso passar para outro nível, que é o do conhecimento, o interrelacionamento de todas as informações que recebemos. Mas é preciso chegar ao nível superior, que é o da consciência, dar um sentido asnossas acções… e isso, perdoem-me a veleidade – consegue-se no teatro… por isso, parabéns Centro de Teatro do Oprimido – Maputo.

Por Belmiro Adamugy
belmiro.admugy@snoticias.co.mz

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