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Estará Trump a tentar redefinir as fronteiras dos Estados do Médio Oriente?

Por Idnórcio Muchanga

Nos seus habituais comentários nas redes sociais, na passada quinta-feira o presidente dos EUA, Donald Trump, mostrou mais uma vez que não tem apreço ao direito internacional ou às decisões da Organização das Nações Unidas. Talvez acreditando no potencial de reduzir a influência do Irão no Médio Oriente, o presidente norte-americano “pontapeou” as normas internacionais e sugeriu que é chegado o momento de o seu país reconhecer a soberania israelita sobre os Montes Golã. Trump justifica a sua sugestão alegando a relevância estratégica e securitária que os montes Golã representam para Israel e para a estabilidade da região do Médio Oriente. Após decidir mudar a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, o seu recente anúncio mostra o seu desdém em relação ao direito internacional quando se trata de “proteger” seus aliados ou tentar punir seus inimigos. Porém, a efectivar-se essa intenção, o Estado de Israel arrisca-se a enfrentar uma cada vez maior oposição à sua existência no Médio Oriente.

Pela Resolução 181, de 1947, Jerusalém, dado o seu valor simbólico, ou religioso, tanto para os árabes como para os judeus, devia estar sob administração internacional. Ou seja, nenhum dos dois Estados (um para os árabes e outro para os judeus) a serem criados, na altura, devia reivindicar o território de Jerusalém como seu. Porém, com o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 e a consequente eclosão do conflito israelo-árabe/palestiniano, o controlo de Jerusalém tem sido motivo de tensão entre Israel e os Estados árabes. Aliás, na primeira guerra israelo-árabe, Jerusalém chegou a ser dividida, em termos de ocupação, entre Israel e a Transjordânia (hoje Jordânia).

Após várias guerras entre Israel e os Estados árabes, as Nações Unidas procuraram sempre manter o estatuto de Jerusalém como um território internacional. Com isso, a maior organização mundial refutava a reivindicação israelita, mas também palestiniana, sobre a soberania sobre Jerusalém, de tal modo que a capital israelita reconhecida foi sempre Tel Aviv. Por essa razão, a ONU sempre recomendou, e quase todos Estados do mundo assim agiram, que as representações diplomáticas dos Estados em Israel tivessem a sua sede em Tel Aviv. Porém, ao ascender à Casa Branca, Trump desfez essa prática diplomática ao anunciar a transferência da embaixada do seu país para Jerusalém. Tal decisão, criticada pela comunidade internacional por violar o direito internacional, parece não ter sido um caso isolado da política externa da actual maior potência mundial. O executivo norte-americano parece mesmo estar interessado em redefinir as fronteiras dos Estados do Médio Oriente.

A recente sugestão de que os Montes Golã devem ser reconhecidos como parte do território de Israel é mais uma demonstração de que na defesa dos seus aliados os EUA estão dispostos a violar o direito internacional. Pelas fronteiras (artificiais) traçadas após o término da Primeira Guerra Mundial, os Montes Golã foram reconhecidos como território soberano da Síria. Porém, no decurso da terceira guerra israelo-árabe em Junho de 1967, também conhecida como Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou a maior parte dos Montes Golã e decidiu anexá-los efectivamente em 1981. Contudo, a comunidade internacional nunca reconheceu tal anexação. Aliás, a Resolução 242 das Nações Unidas, que pôs fim à Guerra dos Seis Dias, estatuía claramente a proibição da aquisição de território por via da guerra e impunha a obrigatoriedade de as partes beligerantes retirarem-se dos territórios ocupados.

Embora aplaudida pela liderança israelita, a decisão de Trump tem o potencial de criar uma maior oposição ao Estado de Israel na região do Médio Oriente. A existência em si do Estado de Israel não tem sido acolhida de bom grado pelos árabes. O reconhecimento dos EUA da ocupação de mais território árabe por Israel pode unir ainda mais os árabes na sua luta contra Israel. Aliás, é preciso lembrar que o Hezbollah, do Líbano, é um grupo que surgiu em oposição ao território libanês ocupado por Israel após a invasão deste último ao primeiro em 1982. Com efeito, ainda que haja divergências nos diferentes grupos sírios que lutam pelo derrube do regime de Assad, a defesa do território sírio pode ser um elemento de unificação contra a ameaça israelita. Ao invés de garantir a segurança do Estado de Israel, o reconhecimento da soberania israelita sobre os Montes Golã, que à luz do direito internacional pertencem à Síria, pode fazer (re)emergir os sentimentos anti-israelitas na região e alimentar mais grupos radicais que podem ameaçar a segurança daquele Estado. Portanto, ao invés de estabilidade regional, o eventual reconhecimento pode aumentar ainda mais o nível de instabilidade que o Médio Oriente vive.

Por Edson Muirazeque

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