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As bocas que Amade Abubacar alimenta (1)

Por Idnórcio Muchanga

Em Dezembro de 1998, a partir de Cabo Delgado, um nome completamente desconhecido saltou para as manchetes e parangonas mundiais. FERNANDO QUINOVA. Era correspondente popular, como eram conhecidos os pontos focais do Instituto de Comunicação Social (ICS) espalhados pelas zonas rurais de Moçambique. Escreviam (em cartas) sobre acontecimentos nas aldeias e mandavam para as delegações provinciais que, por sua vez, usavam um espaço da Rádio Moçambique para a divulgação.

Quinova escrevia a partir de Ocua, posto administrativo de Chiúre, cerca de 140 quilómetros da capital provincial, Pemba, muito especificamente na aldeia Napuco. Quinova deu a notícia de que um cidadão daquela aldeia, de nome Manica Cabral, que fora apanhado a roubar galinhas, tinha sido preso e conduzido para as celas da sede do posto e lá tinha sido seviciado pela Polícia até à morte. A notícia saiu para todo o mundo, via Rádio Moçambique.

Na mesma semana, por ordens da Polícia, Fernando Quinova fica detido e conduzido às celas do Comando Distrital de Chiúre. Os jornalistas em Pemba, liderados pelos delegados do ICS (Luiza Lourenço), da Rádio Moçambique (António Bernardo Cuna, vulgo ABC) e o autor destas linhas, representando o “Notícias”, reuniram-se de emergência para analisar os contornos à volta da detenção de Quinova.

Concluímos indicativamente que era preciso solidarizar-se com ele; que a acção policial roçava a abuso de poder. Todavia, havia que primeiro investigar. Fizemos contribuições que deram para comprar alimentação para o encarcerado e combustível para a única viatura disponível na Comunicação Social (uma Mitsubishi azul, L200, caixa aberta, da Rádio Moçambique).

O combustível devia dar para ir até onde fosse possível confirmar os factos. Pela madrugada começámos a viagem. Chegados a Chiúre pedimos para visitar Quinova. Combalido, saiu e recebemos ordens de não o entrevistar. Mas queríamos deixar alimentação e artigos de higiene. A Polícia autorizou que fôssemos com ele até à casa de um parente, próximo da cadeia policial e o devolvêssemos imediatamente. Foi lá mesmo onde fizemos o que as autoridades não queriam. Entrevistámo-lo às pressas e nos deu indicações para provar tudo o que ele tinha escrito.

Texto de Pedro Nacuo
pedro.nacuo@snoticias.co.mz

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