Esta semana correu pelos nossos órgãos de comunicação social a notícia de que as férias judiciais vão ser reduzidas de dois para um mês, uma medida justificada pela necessidade de se conferir maior celeridade no tratamento dos processos. Tal pretensão consta de um plano de reformas do sistema da administração da justiça. O mesmo resulta da constatação de que, durante os dois meses que os juízes tinham para o gozo de licença disciplinar, os tribunais ficavam parados, interrompendo o funcionamento de um serviço público.
Segundo se reporta, o juiz vai passar a gozar as suas férias tal como goza um funcionário comum, escolhendo livremente o mês que pretende gozar a sua licença disciplinar.
Do nosso lado, vemos a medida como boa se conseguir impor um ritmo mais acelerado ao tratamento dos processos que hibernam nos tribunais, envolvendo, em grande parte, reclusos que estão em prisão preventiva, mas que largamente ultrapassaram o tempo legal da sua permanência na cadeia, e que, porém, ainda não foram julgados.
A medida pode ser muita boa se permitir que se reduza grandemente a problema da superlotação das nossas cadeias, que nos últimos tempos se transformaram em verdadeiras escolas de crime e não em locais de reeducação do homem para se poder arrepender e vir inserir-se melhor cá fora, na sociedade, em harmonia com os demais.
Estas reformas na Justiça podem ser boas, pois vão ao encontro da própria finalidade do Estado que se materializa na criação de condições para que todas as pessoas do Rovuma ao Maputo se possam exercer como pessoas na plenitude das suas potencialidades, realizando as respectivas liberdades com que a natureza (e não o Estado) as dotou.
Pertence ao Estado criar condições para que as cerca de 25 milhões de moçambicanos e moçambicanas se desenvolvam, convivendo harmoniosamente umas com as outras. O Estado existe em função dos cidadãos e não o contrário, como, com frequência, sói acontecer.
Todos nós aspiramos por uma justiça célere, respeitadora dos direitos humanos e atenta a todas as suas de injustiça, pois a justiça, em sentido amplo, é uma virtude de cidadania. Platão relacionou-a com a felicidade. É aquilo que, sendo ético, bom e correcto, corresponde aos anseios da maioria. Por isso, aquele que não age segundo a justiça é um empecilho à realização dos anseios da maioria e deve pagar por isso, dentro do estabelecido em leis penais ou costumes ancestrais. É disso que esperamos que seja o objctivo de qualquer reforma no sistema.
Os que ficam preventivamente presos fora dos prazos legais e alguns que ficam preventivamente presos até para além da pena que quando julgados lhes será aplicada sofrem uma grande injustiça, porque permanecem encarcerados para além do tempo que deviam estar e lhes atrasam a vida. Saem frustrados com o sistema, que lhes colocou naquela situação, perdendo as oportunidades de uma vida normal. É que a lei deve ser tida, não como um colete de forças, mas uma força libertadora, desde que seja, de facto, um norma em favor do bem comum e universalmente aplicada.
A nossa preocupação fundamental é de que a justiça se revista de qualidade apreciável e palpável, consciente de que o terreno é por demais movediço, mas que urge solidificá-lo para que o cidadão possa caminhar com tranquilidade e desenvolver-se em harmonia condizente com a sua dignidade humana.
O domingo se vem batendo, aos longos dos seus anos de existência, pela qualidade da justiça, contra abusos, prepotências, corrupções, deixa-andar e péssima formação de muitos dos seus servidores mais directos e por uma reforma e legislação que mergulhe raízes na realidade moçambicana e não tenha medo de romper com vícios do passado.
O anúncio agora destas medidas de reforma é indicativo de que tarde é o que nunca vem e nem sempre o correr significa chegar, nem vale a pena chorar sobre o leite derramado. É que já sofremos na carne os efeitos deletérios das prisões transformadas em armazéns de homens, porque não se sabe ou não se quer ou se tem preguiça de saber o que se lhes há-de fazer.
As prisões são um complemento do direito penal inseridas nos seus objectivos imediatos, cuja finalidade se consubstancia na criação de condições para o restabelecimento da paz jurídica, da convivência social, da harmonia, na construção de uma sociedade sem turbulências, para o que contribui, em primeira linha, a conversão do delinquente. Aliás, a conversão do delinquente a que chamam, vulgarmente, de ressocialização, é prioritária no nosso ordenamento jurídico ou não fosse ele de base personalística.
O direito penal existe para o desenvolvimento da pessoa humana, nela se enraíza, dela emana e para ela converge. As prisões são, por isso, um teste de primeira água para avaliar o desempenho do nosso direito penal. Por isso, medidas que visam legalmente descongestioná-las são sempre bem vindas.
Apessoa nasceu livre e livre deve continuar desde que não perturbe a liberdade dos outros, sendo a lei uma condição indispensável para que a liberdade dos outros não seja perturbada. Exige a liberdade pessoal uma sociedade organizada, sociedade esta concebida como uma faculdade para a realização dessa mesma pessoa. Ninguém consegue evoluir eficazmente numa sociedade em permanente turbulência.