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INSPECÇÃO DE ACTIVIDADES ECONÓMICAS: “Somos apenas sete inspectores a nível central”

Por admin

A sede da Inspecção Nacional de Actividades Económicas (INAE) localizada em Maputo, conta com apenas sete inspectores mas, pela actuação perspicaz e aguerrida, parecem centenas. Com a ajuda de um punhado de colegas distribuídos pelas províncias, inspecionam mais de 600 estabelecimentos por semana e dezenas deles tem sido encerradas por graves problemas de asseio. A Inspectora-Geral, Rita Freitas, fez para este jornal um retrato da génese, rumo, perspectivas e desafios que se colocam a esta entidade.

A INAE funciona numa acanhada sobreloja de um edifício do Ministério da Indústria e Comércio (MIC), localizada na Avenida 25 de Setembro, na cidade de Maputo, e só há dias é que recebeu formalmente as instalações onde funcionava o extinto Instituto para a Promoção das Exportações (IPEX), na mesma avenida.

Apesar de funcionar naquele diminuto espaço, a INAE já é a mais requisitada do país para denúncias e reclamações de toda a espécie.

Porém, poucos sabem que esta entidade não tem quadros, meios de trabalho, incluindo computadores e viaturas, para não mencionar tradicional constrangimento da falta de dinheiro, o que não impede que façam o seu trabalho e apresentem resultados arrebatadores.

À nossa equipa de Reportagem foi dado a testemunhar a “chuva” de mensagens, chamadas telefónicas, fotos e vídeos que chegam de todos os quadrantes a mostrar o que se passa nas traseiras e interior de padarias, pastelarias, bares, lojas, armazéns, supermercados, restaurantes, creches, centros sociais, enfim.

Apesar da agenda carregada, Rita Freitas ofereceu-nos alguns minutos para nos elucidar sobre o que se pretende alcançar com a “nova roupagem” da INAE, desafios e perspectivas.

SOMOS SETE

A INAE existe há mais de 10 anos, mas agora ganhou imenso fôlego. Qual é a sua génese e o que se pretende com esta nova dinâmica?A INAE foi criada em 2009 com o principal objectivo de concentrar as várias inspecções num único local, porque o agente económico estava sujeito a várias inspecções feitas por várias entidades e isso cansava-o. Por outro lado, queremos fazer com que o empresariado cumpra com a legislação vigente para cada área de actividade e que o consumidor se sinta protegido.

Protegido de quê?

Por exemplo, da venda de produtos fora do prazo ou da venda de bens sem garantia. É nossa função trabalhar com o agente económico para que dê garantia na venda de electrodomésticos, entre outros, porque é obrigatório.

Que áreas a INAE abarca?

Vamos da Indústria ao Comércio, Turismo, Transportes, Educação, Cultura, Desporto, Recursos Minerais, Energia e temos os serviços de Saúde como área transversal a todos estes sectores. Também somos responsáveis pela contrafacção de produtos, marcas e patentes, e da concorrência desleal que também é um aspecto crítico para o qual não temos dedicado muita atenção apesar de o país registar a entrada de muitos produtos contrafeitos. Esta é uma área em que devemos trabalhar muito e, para tal, devemos reforçar a equipa de inspectores.

Quantos inspectores são?

Apenas sete inspectores para a INAE Central…

E nas províncias?

Todas as províncias têm problemas sérios de inspectores e acabam usando recursos humanos de outras instituições para lhes apoiarem no trabalho inspectivo, o que não é correcto. Gostaríamos que o Governo colocasse mais quadros, porque estamos numa altura em que não podemos contratar pessoal pelas razões que todos conhecemos.

Qual é a saída?

O que estamos a fazer é, no âmbito da mobilidade de quadros dentro do Aparelho do Estado, identificar aqueles que não estão a ser aproveitados para serem transferidos para a INAE.

Essa mobilidade está a ser feita?O comando já foi dado em algumas províncias.

 

Mas, apenas sete inspectores na sede? Qual seria o número ideal?

O quadro ideal, que já foi aprovado, é de 52 inspectores. Estamos muito longe, e mesmo esses 52 continuariam poucos tendo em conta a dinâmica e o que estamos a encontrar no terreno.

Como assim?

Não podemos fazer uma inspecção e depois abandonar. O segredo do nosso trabalho reside na monitoria, para que o empresário não relaxe, pois está habituado a ficar um longo tempo sem que ninguém vá ao local para ver se está tudo em ordem. O ideal seria que os inspectores fizessem o trabalho, deixassem recomendações e, ao fim de um tempo, voltassem para verificar.

Assim sendo, não conseguem abarcar todas as áreas…

Temos inspectores para cada uma dessas áreas a que fiz referência mas, neste momento, a grande preocupação é o sector alimentar. Não estamos a deixar nada de lado mas, sim, a dar enfoque onde há confecção de alimentos, nomeadamente padarias, restaurantes, take aways, entre outras porque perigam a saúde pública.

Mas, parte do vosso trabalho se confunde com o das associações de defesa dos consumidores. Trabalham juntos?

Nós, como Estado, é que temos a obrigação de fazer a inspecção, mas poderemos trabalhar em conjunto com eles no sentido de nos trazerem as preocupações e nós fazermos o nosso trabalho.

Queria saber se existe essa aproximação?

Não. Mas tivemos um debate há dias e voltaremos a sentar em breve para vermos em que moldes podemos trabalhar juntos.

VENDA DE COMIDA NOS CARROS

A INAE está muito empenhada em inspeccionar padarias, restaurantes, entre outros, mas cruza locais onde se vende comida em viaturas. Como lidam com isso?

Temos recebido muitas denúncias e muitas críticas. E entendemos que a situação é preocupante mas, quem dá as licenças é o Município. Tivemos um encontro com a edilidade para sabermos quais são as exigências para a atribuição de licenças e em que condições. A partir daí é que vamos ver como garantir que os carros tenham condições mínimas de higiene e limpeza.

Mas, qual é o vosso sentimento em relação a este negócio?

Quanto a nós, aqueles carros não deveriam existir porque não sabemos onde e em que condições cozinham e não sabemos se todos tem licenças. Tivemos um encontro com a ministra de Administração Estatal e Função Pública e o presidente do Município onde um dos pontos que a ministra levou à discussão foi a questão dos carros.

O que se apurou nessa reunião?

Fomos informados que o município tinha concedido 52 licenças e que tinha treinado aqueles vendedores em condições de sanidade para servirem refeições nos carros. Não sei quantas licenças existem agora mas, vamos continuar a trabalhar.

Também se vende carne, peixe e frangos frescos em locais aterradores dos mercados informais. Qual o vosso papel para estes casos?

Em relação às barracas e mercados… aqui a competência é do município e só podemos fazer trabalhos conjuntos.

LIXO NAS PADARIAS

E RESTAURANTESO que está a ser feito é uma campanha que visa as padarias e restaurantes?

 

Não é campanha contra as padarias. Gostaríamos que o nosso trabalho fosse entendido no bom sentido. Porque podem pensar que o Governo deu subsídio às panificadoras e agora está a persegui-las.

Como é que determinam quais são as padarias que devem ser inspeccionadas?

Quando vamos ao terreno não sabemos se a padaria é subsidiada ou não. Fazemos o trabalho com base em denúncias e mandamos os nomes e o relatório à Direcção Nacional do Comércio Interno que é responsável pelo subsídio às padarias. Eles é quem sabem quem é subsidiado e se devem ou não retirar o subsídio.

Alguns panificadores torcem o nariz a estas inspecções…

Há um Memorando de Entendimento com a Associação de Panificadores (AMOPÃO) no qual o Governo deve monitorar as padarias subsidiadas para garantir que estas vendam o pão no peso certo e essa monitoria é feita em conjunto com o Instituto Nacional de Normalização e Qualidade (INNOQ).

Pode explicar melhor?

O INNOQ vê se o peso do pão está conforme a tabela combinada com a AMOPÃO e nós, INAE, olhamos para as condições de higiene e limpeza de todo o recinto, incluindo o local de venda. Preocupamo-nos com a fachada frontal e com todos os outros cantos porque o padeiro vai à casa de banho, muda de roupa, vai buscar a lenha e, ao ir a esses locais enquanto as condições mínimas não estão criadas, ele transporta bactérias.

Foi por isso que a INAE encerrou cerca de 20 padarias?

Nenhuma das padarias que encerramos tinha torneira ou lavatório à entrada da padaria com sabão para que antes de os padeiros pegarem na massa pudessem lavar as mãos. Vimos as condições de higiene dos padeiros. As batas estavam encardidas, faltavam tocas (nas cabeças), não faziam barba, unhas, tinham anéis, tinham relógios quando não devem ter porque podem alojar bactérias que depois passam para a massa.

E nos restaurantes?

Os que foram encerrados não tinham o mínimo de consideração pelas áreas de confecção de alimentos. Por exemplo, vimos lavatórios com loiça que é servida ao consumidor, talheres, pratos, frigideiras, tudo misturado com panos encardidos de limpar o chão.

Gatos…

Dentro de algumas padarias e restaurantes encontramos baratas, ratos, cães, gatos. Isso não é aceitável, é um perigo a saúde pública. Encontramos um gato a urinar em cima de sacos de trigo e tivemos que mandar destruir os sacos… Isto é um atentando à saúde. Vimos uma padaria com infiltração de água que caía por cima dos sacos. Encontramos um padeiro com uma ferida grande e aberta num dos braços… Ele não devia pegar em nenhum produto. Estamos a trabalhar no sentido de o agente económico respeitar o consumidor.

Isso é arrepiante…

…No balcão onde se vende o pão tem haver condições mínimas. Não se pode pegar o pão com a mão e ter o pão destapado. Eles têm que ter alguém que limpe regularmente o balcão. Muitas padarias não têm um lugar apropriado para colocar dinheiro, o mesmo padeiro que recebe o dinheiro faz trocos e pega no pão. Não afixam o preço e o peso do pão em local visível para o comprador quando há uma tabela aprovada no âmbito de entendimento entre o governo e a AMOPÃO e o consumidor quando chega a padaria não tem que perguntar o preço do pão.

Como é que o comprador pode saber se o pão tem o peso certo?

Por lei é obrigatório que as padarias tenham uma balança no balcão para que se possa aferir o peso e, se for o caso, reclamar. Aliás, também devem ter Livros de Reclamações disponíveis para poderem melhorar os seus serviços.

Mas, não há denúncias para outros sectores?

Há sim. Mas, há um trabalho sério em relação as padarias porque 95 por cento das denúncias estão relacionadas com elas e depois seguem as pastelarias e restaurantes. Aliás, criamos os e-mails reclamações@inae.gov.mze denuncias@inae.gov.mze, em breve, teremos linhas verdes que serão 211464, 821464, 841464 e 871464

Que balanço faz desse trabalho?

De 30 de Janeiro até o momento encerramos 14 estabelecimentos em Maputo, Nampula e Sofala.

E quantos foram reabertos?

Depois de reunidas as condições, seis foram reabertos.

Não fechamos

casas de pasto limpas

Acredita que está a crescer a consciência social sobre a sanidade que deve haver nas padarias e casas de pasto?

Há, mas não ao ritmo que gostaríamos. A esta altura, depois do trabalho que tem sido levado acabo pela INAE e pelo INNOQ desde finais do ano passado, já era altura de não nos depararmos com situações críticas como temos registado.

Mas…

Em todo o caso notamos em um e outro que há preocupação. Nós não mandamos fechar padarias ou casas de pasto limpas, ainda que esses locais sejam velhos, com a infra-estrutura em estado crítico. Se não representam nenhum perigo em termos de higiene não encerramos.

E os mercados? Vende-se carne, frangos e mariscos em ambientes repugnantes. Quando teremos a mão da INAE nesses locais?

Sobre esses locais há uma série de trabalhos que tem que ser realizados em conjunto.

Com quem e porquê?Com a Agricultura, por exemplo, porque não está sob a nossa alçada. É que, para fazermos algum trabalho em relação a esses aspectos temos que nos juntar às áreas responsáveis e, no caso particular dos mercados, volto a repisar, é preciso que se dê a responsabilidade ao município.

 

Já começaram a trabalhar nesse sentido?

Nós trabalhamos com eles para reporem os requisitos mínimos para evitarmos problemas a saúde pública. Aliás, ao nível das províncias há incineração de carne, peixe, entre outros.

Em relação aos matadouros?

Recentemente foi visitado um matadouro de frango em Nampula. Na província de Manica foram destruídos vários quilos de carne deteriorada, mas não no matadouro. Em relação aos matadouros é preciso termos um plano conjunto para também começarmos actuar.

E as outras áreas? Indústria, Transportes, Educação, Cultura, Desporto, Recursos Minerais e Energia?

A ideia é contemplar todas as áreas de actividade que estão sob a responsabilidade da INAE. As que são mais visíveis, nomeadamente a panificação e restauração, é porque são as que criam problemas a saúde.

Fale-nos das vossas condições de trabalho?

Estamos a fazer o nosso melhor junto do governo para que a INAE tenha condições mínimas para que possa fazer o trabalho para o qual foi criada. Já começamos com as instalações. Já nos foram concedidas as antigas instalações do IPEX e estamos em processo de mudança.

Tem viaturas?

Ainda não temos condições para nos deslocarmos para as áreas periféricas onde a situação é crítica mas, aqui na cidade, em alguns casos circulamos a pé. Se recebemos uma denúncia sobre um local e se há outros estabelecimentos por ali aproveitamos o momento e fazemos o trabalho.

Chamadas que “vêm de cima”

Muitas vezes vemos inspecções que começam com força e terminam num ápice por causa de chamadas telefónicas que “vêm lá de cima”. Isso já aconteceu convosco? Não receiam?

Essa pergunta é mesmo para provocar. Mas, vou responder. Desde que sou inspectora-geral da INAE, ainda não recebi nenhuma chamada a interditar ou a solicitar a nossa retirada de nenhum local. Antes pelo contrário. Mas, mesmo que seja um empresário que diga que apoia o Governo ou o partido X ou Y, o que ele deve fazer é ser o primeiro a cumprir com as normas e a dar exemplo porque senão nada faz sentido.

Ainda bem que isso não tem acontecido. E, já agora, sabemos que muitos agentes económicos parecem formais, mas na realidade…

Directa ou indirectamente estamos a encontrar muitos agentes económicos ilegais, sem Alvará, sem Licença, Número Único de Identificação Tributária (NUIT), Cartão de Saúde e, dependendo de actividade, sem horário de trabalho, Segurança Social, entre outros.

O que fazem nesses casos?

Não penalizamos, porque a lei é clara. Trabalhamos com eles para sabermos o que precisam em termo de requisitos, indicamos para onde se devem dirigir para tratar a documentação e fazemos a monitoria conforme o previsto na lei.

A INAE tenciona intervir no mercado informal?

Para os informais que estão nas vias públicas tem que se trabalhar ao nível do Ministério da Indústria e Comércio no sentido de os trazer para o sector formal. Aliás, está na matriz do sector privado que a Confederação das Associações Económicas deve apoiar o Governo trazendo mil informais para o formal. Não vamos inspeccionar pessoas que estão nos passeios. Isso cabe ao município.

Há inspecções a maisPara além da INAE quais são as outras entidades que devem fazem inspecções?

 

Essa questão é séria. Os agentes económicos estão a ter muitas inspecções. A instituição criadas pelo Governo e autorizada a fazer inspecções económicas nas áreas a que me referi (Indústria ao Comércio, Turismo, Transportes, Educação, Cultura, Desporto, Recursos Minerais, Energia e Saúde) é a INAE.

Mas, o que vemos parece indicar que qualquer um pode…

O que está acontecer é que vão os agentes do Município, da Saúde, Turismo, entre outros, fazer inspecções. Esta a haver um certo oportunismo. O município só pode exigir o letreiro, a Taxa de Actividade Económica, o Imposto Pessoal Autárquico (IPA) e a Taxa de Serviços de Restauração.

Porém…

Os agentes municipais vão para qualquer estabelecimento e querem fazer inspecções. Por exemplo, os take aways têm que ter aquele sinal de proibição de venda de bebidas e cigarros a menores de 18 anos e quem controla isso é a INAE.

A Polícia Municipal…

Não tem que entrar para ver se aquele sinal está ou não bem. Estão a multar os agentes económicos em valores acima de 700 mil meticais e quem não recorre ao ministério tira o valor. Estamos a matar o agente económico com várias inspecções e por onde temos passado estão a reclamar. E acaba havendo chantagens. Agora, se a INAE vai regularmente ao comércio é para fazer a monitoria para garantir que aquilo que encontrou já esta corrigido.

E os agentes económicos pagam multas desnecessárias e absurdas?

Perguntei os agentes económicos porque que é que pagam e eles responderam que os agentes que vão ao terreno, auscultam, fazem os processos e dão as multas são os mesmos. O Balcão de Atendimento Único (BAU) tinha esses problemas mas conseguimos resolver.

Como?

Introduzimos nove (9) etapas. Quem faz o expediente não faz mais nada no processo. Quem faz a vistoria não pode fazer mais nada. Isto evita vícios. E isso também tem que acontecer nas inspecções.

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

 

 

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